Santa Sara Kali e Ciganos
Ciganos na Umbanda
Texto de Rubens Saraceni, no livro “Umbanda Sagrada”
A Linha dos Ciganos é uma Linha especial, pois tem seus próprios rituais e fundamentos adaptados à Umbanda, já que eles remontam a um passado multimilenar e estão ligados ao próprio povo cigano.
O povo cigano tem suas cerimônias próprias e tem seus rituais coletivos adaptados à Umbanda e suas sessões são muito apreciadas e muito concorridas, pois seus trabalhos estão voltados para as necessidades mais terrenas dos consulentes.
Esses espíritos ciganos trabalham na irradiação dos Orixás, mas louvam Santa Sara Kali, que é padroeira deste povo, nômade por natureza e por instinto de sobrevivência.
Santa Sara Kali
A cigana escrava que venceu os mares com sua fé e virou Santa
Conta a lenda que Maria Madalena, Maria Jacobé, Maria Salomé, José de Arimatéia e Trofino, junto com Sara, uma cigana escrava, foram atirados ao mar, numa barca sem remos e sem provisões.
Desesperadas, as três Marias puseram-se a orar e a chorar. Aí então Sara retira o diklô (lenço) da cabeça, chama por Kristesko (Jesus Cristo) e promete que se todos se salvassem ela seria escrava de Jesus, e jamais andaria com a cabeça descoberta em sinal de respeito. Milagrosamente, a barca sem rumo e à mercê de todas as intempéries, atravessou o oceano e aportou com todos salvos em Petit-Rhône, hoje a tão querida Saintes-Maries-de-La-Mer.
Sara cumpriu a promessa até o final dos seus dias.
Sua história e milagres a fez Padroeira Universal do Povo Cigano, sendo festejada todos os anos nos dias 24 e 25 de maio.
Segundo Míriam Stanescon - Rorarni (do clã Kalderash), deve ter nascido deste gesto de Sara Kali a tradição de toda mulher cigana casada usar um lenço que é a peça mais importante do seu vestuário: a prova disto é que quando se quer oferecer o mais belo presente a uma cigana se diz: Dalto chucar diklô (Te darei um bonito lenço).
Além de trazer saúde e prosperidade, Sara Kali é cultuada também pelas ciganas por ajudá-las diante da dificuldade de engravidar. Muitas que não conseguiam ter filhos faziam promessas a ela, no sentido de que, se concebessem, iriam à cripta da Santa, em Saintes-Maries-de-La-Mer no sul da França, fariam uma noite de vigília e depositariam em seus pés como oferenda um diklô, o mais bonito que encontrassem. E lá existem centenas de lenços, como prova que muitas ciganas receberam esta graça.
Para as mulheres ciganas, o milagre mais importante da vida é o da fertilidade porque não concebem suas vidas sem filhos. Quanto mais filhos a mulher cigana tiver, mais dotada de sorte ela é considerada pelo seu povo. A pior praga para uma cigana é desejar que ela não tenha filhos e a maior ofensa é chamá-la de "ventre seco". Talvez seja este o motivo das mulheres ciganas terem desenvolvido a arte de simpatias e garrafadas milagrosas para fertilidade.
Oração à Santa Sara
Tu que é a única santa cigana do mundo.
Tu que sofreste todas as formas de humilhação e preconceitos.
Tu que foste amedrontada e jogada ao mar, para que morresses de sede e de fome.
Tu sabes o que é o medo, a fome, a mágoa e a dor no coração.
Não permitas que meus inimigos zombem de min ou me maltratem.
Que tu sejas minha advogada perante a Deus.
Que tu me concedas sorte, saúde e que abençoe a minha vida.
Amém
Oração a Santa Sara Kali
Autoria: Cigana Ana Natasha
Santa Sara,
Minha protetora,
Cubra-me com seu manto celestial.
Afaste as negatividades que porventura estejam querendo me atingir.
Santa Sara, protetora dos ciganos, sempre que estivermos nas estradas do mundo, proteja-nos e ilumine nossas caminhadas.
Santa Sara, pela força das águas, pela força da Mãe-Natureza, esteja sempre ao nosso lado com seus mistérios.
Nós, filhos dos ventos, das estrelas, da Lua cheia e do Pai só, pedimos a sua proteção contra os inimigos.
Santa Sara, ilumine nossas vidas com seu poder celestial, para que tenhamos um presente e um futuro tão brilhantes, como são os brilhos dos cristais.
Santa Sara, ajude os necessitados; dê luz para os que vivem na escuridão, saúde para os que estão enfermos, arrependimento para os culpados e paz para os intranqüilos.
Santa Sara, que o seu raio de paz, de saúde e de amor possa entrar em cada lar, neste momento.
Santa Sara, dê esperança de dias melhores para essa humanidade tão sofrida.
Santa Sara milagrosa, protetora do povo cigano, abençoe a todos nós, que somos filhos do mesmo Deus.
História do Povo Cigano e os Sete Clãs
Texto da Cigana Zara, do clã Kalon
A maioria desse material que apresento foi escrito por "gadjes" (não-ciganos) então existem alguns erros de interpretação, visto que nossa linguagem é ágrafa (sem a forma escrita) e o conhecimento é passado verbalmente dentro dos clãs. Porém, esse material é, na minha opinião, o mais completo que tenho e o que mais se aproxima da nossa realidade. O que não estiver de acordo com nossa realidade, farei uma pequena ressalva ao lado.
Somos divididos em sete clãs e às vezes existem algumas diferenças entre nós, mas nada tão relevante que possa nos desunir. Essa divisão baseia-se apenas na nossa origem. Como não temos uma Pátria acabamos assimilando alguns costumes das nações que adotamos, por isso existem essas pequenas diferenças.
Porém deixo bem claro que embora assimilando alguns costumes jamais perdemos nossas tradições e nossa identidade.
Antes de falar sobre os CLÃS CIGANOS, deixo aqui uma observação: além da denominação "CLÃ" (a mais correta) também aceitamos a denominação "GRUPOS", mas jamais refira-se a um clã cigano chamando-os de "TRIBO" (como vejo muitas vezes na literatura por aí...).
Os ciganos não gostam e não aceitam a palavra "tribo", pois não possuímos caciques ou pajés, centralizando o poder, como nas tribos indígenas.
Os SETE CLÃS CIGANOS são:
Kalê (Kalons): esse clã fixou residência basicamente na Espanha e em Portugal e foram os primeiros ciganos a chegarem ao Brasil, deportados e degredados pelo Reino de Portugal em meados do século XVI. Com a vinda de D. João VI e da família real para o Brasil eles vieram em maior número e dessa vez, por opção.
O primeiro cigano que se tem notícia a chegar ao Brasil foi João Torres e sua família, condenados pela Inquisição e degredados da Metrópole em 1574.
Devido às perseguições sofridas pela realeza e pelo clero, além do "romami" (romanês) que é o idioma do povo cigano, criaram um dialeto próprio, para confundir seus perseguidores, o "kalé", mesclando o "romani", o espanhol e o português. Dialeto este utilizado até os dias de hoje.
Suas principais ocupações são com o comércio de cavalos (note bem que diferentemente dos "Roraranê" - como poderão ver abaixo - esse clã não se especializou na criação dos cavalos, mas sim no seu comércio), são também excelentes cavaleiros e domadores de cavalos. Também se especializaram em trabalhos com cobre, música, dança e nas artes adivinhatórias.
É o clã mais numeroso no Brasil e também é considerado o clã mais fechado, o mais tradicional, o mais arraigado as tradições do povo cigano.
Kalderash: esse clã fixou residência basicamente na Romênia e na antiga Iugoslávia.
É o segundo clã mais numeroso no Brasil e começaram a chegar por aqui no final do século XVIII, afluindo em maior quantidade quando da expansão do nazismo na época da segunda guerra mundial.
Suas maiores ocupações são trabalhos com cobre, canto e a dança.
São também desse clã o maior número de ciganos que teve acesso aos estudos e muitos hoje são médicos e advogados.
Também são extremamente apegados as tradições e a cultura cigana, porém são mais flexíveis e hoje, em algumas famílias, já podemos ver meninas chegando as Universidades e também alguns casamentos entre "roms" (ciganos) e "gadjes".
Moldowaia (Moldovano): esse clã fixou residência basicamente na Rússia.
De pele mais clara e olhos azuis, viveram em suas carroças até meados do século passado "maltratados" pelo rigor do inverno russo e dificilmente eram identificados como ciganos quando estavam longe dos acampamentos devido a pesada roupa que usavam para se proteger do frio.
O nome deste clã originou-se da palavra Moldávia, região da Europa Central que chegou a fazer parte do Império Russo e da antiga União Soviética.
Poucas famílias desse clã imigraram para o Brasil e os que vieram se concentraram em sua grande maioria no sul do país devido a questões climáticas.
Roraranê (Roraranó): esse clã fixou residência basicamente na Grécia e na Turquia e muitas vezes suas danças (especialidade desse clã) são confundidas pelos gadjes com as danças árabes e suas mulheres com as famosas odaliscas.
Porém, apesar da sensualidade comum a ambas as danças, existem diferenças enormes: a cigana pode até usar um ousado decote (o seio para nós é visto como sagrada fonte de alimento) mas não pode mostrar nem a barriga nem as pernas(como fazem as dançarinas árabes). Quando dançam, as ciganas tem no mínimo duas saias: uma para cobrir suas pernas e a de cima para poder ser balançada a vontade, de acordo com a dança e a música, sem a preocupação de descobrir-lhes as pernas.
São também conhecidos como grandes criadores de cavalos.
Esse clã também chegou ao Brasil no final do século XVIII.
Mathiwia (Matchuaya): esse clã, assim como os "Kalderash" também fixou residência na Romênia e na antiga Iugoslávia.
Também se especializaram no canto, na dança e nos trabalhos com cobre.
Chegaram ao Brasil também no final do século XVIII e muitas vezes são confundidos com os "Kalderash".
Os clãs Shibiaia e Hitalihiá raramente são citados em livros que falam sobre os ciganos no Brasil por não haver nenhum registro da passagem desses clãs por aqui e até hoje não temos notícias de nenhuma família desses clãs residindo no Brasil.

Nossa bandeira é uma só, para todos os clãs e simboliza nossa forma de viver: o azul da parte superior representa o céu, o verde da parte inferior representa a terra e as matas e no centro, a roda, representando os "coranins" (carroções) onde vivíamos e nos locomovíamos livremente.

Hoje em dia, é muito raro os ciganos se locomoverem em suas carroças (ainda vemos algumas na Espanha, mais especificamente em Andaluzia) e a maioria dos ciganos vive em casas comuns, porém é muito fácil reconhecer a moradia de um cigano: existe sempre uma tenda montada no quintal e é onde todos dormem, pois as paredes e o teto de uma casa nos dão a sensação de estarmos aprisionados e nos sufocam.
Mesmo com a atual vida sedentária do povo cigano, estamos sempre viajando, nos reunindo, nos encontrando, pois é muito difícil ficarmos parados num só lugar por muito tempo.
Infelizmente, a falta de segurança dos dias de hoje praticamente acabou com os acampamentos e suas lindas tendas coloridas ao redor das fogueiras...
Essa tradição porém é sempre resgatada no mês de maio, na pequena cidade francesa de Saintes-Marie-de-la-Mer, onde diz a lenda, Santa Sara Kali (protetora do povo cigano) aportou fugindo da perseguição dos judeus e onde ciganos de todo o mundo se encontram anualmente para comemorar o dia de nossa Santa Protetora, em 24 de maio.
Nessa época a cidade fica repleta de ciganos que começam a chegar em suas carroças, com suas tendas e roupas coloridas desde o início do mês, vindos de todos os cantos do planeta e onde reina a alegria e uma grande festa de confraternização de todo um povo...
Ser cigano
Autoria: Rorarni/Mirian Stanescon
Ser Cigano é respeitar a liberdade, a natureza e acima de tudo a vida
É viver e deixar viver
É ter a lucidez de saber esperar
É não esgotar todos os recursos
É preferir morrer com honra, do que viver desonrado
É ter como lema ser feliz
É agradecer as pequeninas coisas da vida
É dignificar seus velhos
É glorificar suas crianças
É respeitar os povos e as coisas que se desconhece
É nunca contestar a Justiça Divina
É acima de tudo amar e respeitar Deus e Seu filho
Jesus Cristo, nosso grande Mensageiro.
Mensagem
Mirian Stanescon, Princesa Cigana Kalderash
Aquele que aprende a dividir o que tem, faz perante os olhos de Deus, uma grande soma.
Quando nos conformamos com o essencial que a vida nos oferece, deixamos de cair no grande pecado da ganância e do egoísmo.